Por Dr. Jaime Olavo Marquez - Neurologista ISD | CRM 6933
O assunto a ser abordado, diz respeito ao uso do medicamento cannabis medicinal, que tem sido objeto, nos últimos anos, de diferentes abordagens e discussões. Pretendemos esclarecer dados e fatos, que muitas vezes estão distorcidos e mal interpretados, por razões que prefiro considerar, sejam motivadas pelo excesso de zelo e preocupação de alguns profissionais com a saúde e bem-estar dos pacientes, ou por falta de oportunidade: acesso ao extenso material científico sobre o tema (vou mostrar abaixo, gráfico). Tentando minorar estes aspectos, me permito ao final, fornecer algumas poucas referências atuais de trabalhos científicos, (existem vários ótimos livros na literatura nacional e internacional sobre o tema), esclarecer cientificamente (não uma opinião pessoal) e, incluir o relato de uma pessoa com experiência pessoal como paciente, com o uso de cannabis.
Tendo visto várias versões sobre o tema, cito dois pensamentos para reflexões, que me parecem pertinentes sobre conhecimento, e suas modalidades de divulgação na atualidade. Primeiro o de Hipócrates (460 Ac - 370AC, idéias inteligentes se perpetuam), ainda bastante atual “ A Ciência consiste em saber. Em crer que se sabe (a opinião pessoal) , reside a ignorância”, e outro bem atual, do admirável escritor e jornalista Carlos Heitor Cony (1926 - 2018), sobre os riscos do emprego distorcido de tecnologias incríveis do progresso (exemplo para o assunto, hoje em WhatsApp / Lives pode-se falar o que quiser) “A internet é poluidora, não no sentido ecológico, mas sim espiritual”.
Antes dos comentários científicos sobre o tema, faço mais uma observação, a meu ver esclarecedora, que uso com meus pacientes. Não estamos fazendo uma apologia do uso liberal da maconha (nome conhecido no Brasil para a planta cannabis sativa, da qual é extraída a cannabis medicinal).
Aliás sou contra a liberação do porte para uso pessoal (recreativo!?) de tantas gramas de maconha (o motivo da possível permissão, prefiro não interpretar). Defendo o medicamento cannabis medicinal, que esclarecendo, já estão definidas algumas regras pelos órgãos: Conselho Federal de Medicina (até o momento) e ANVISA, para prescrição e comercialização em farmácias (Mostro legislação no final). Faço uma analogia, com medicamentos amplamente conhecidos e felizmente acessíveis no nosso mercado, os opióides (pergunte os benefícios para mitigar o sofrimento, aos pacientes com dores crônicas de variadas causas), como morfina, codeína, diretamente derivados do ópio, (suco leitoso da planta papaver somniferum – papoula) e seus derivados sintéticos, tramadol, buprenorfina , a atual polêmica oxicodona , entre outros, que são perfeitamente aceitos e prescritos na atualidade. Ninguém quando prescreve, fala do ópio, e nem se propõem liberar pequenas quantidades para uso pessoal (recreativo)!!. Preconceitos e falta de informações, sempre atrasaram a evolução da humanidade.
Acho esta introdução pertinente ao tema, Mitos e Verdades e
não farmacologia, por isto vou fazer
comentários gerais sobre a cannabis medicinal. Nos anos 60 e 70 (século passado), iniciaram os principais descobrimentos e publicações sobre a cannabis medicinal. Não obedecendo uma cronologia, mas sim enumerando os conhecimentos, foram descritos receptores no nosso organismo, receptores canabinóides distribuídos por todo o corpo (em maior número que qualquer outro receptor, mostrando sua real importância na manutenção da saúde), seus ligantes endógenos (do nosso próprio corpo), os endocanabinóides (vários, mas principalmente dois, anandamida (Sânscrito, felicidade, benção) e 2-AG). Os ligantes externos, obtidos a partir da
cannabis (existem várias, a mais usada,
cannabis sativa), fitocanabinóides, que são vários e com variadas propriedades para tratamentos diversos. Da cannabis são conhecidos atualmente cerca de 500 componentes químicos, e aproximadamente 160 fitocanabinóides (mais conhecidos canabidiol - CBD, THC (que confere, dependendo da quantidade, psicoatividade), Canabinol, Cannabigerol e outros) terpenos e flavonoides. Até o momento os mais frequentemente empregados são o CBD e o THC, embora sejam usados também os demais com diferentes indicações.
A medicina canabinoide, tem função em harmonizar e modular a fisiologia em geral, e manter a homeostasia de todo o sistema orgânico. Atua mais, desacelerando, inibindo e reduzindo, atividades biológicas excessivas. Em função disto tem múltiplas indicações em várias doenças (Dor, Epilepsia, Autismo, Doença de Parkinson, Doença de Alzheimer, Transtornos de Humor, Doenças Autoimunes, Osteoarticulares entre outras). A via oral é a mais indicada, geralmente sob forma de solução oleosa, apresentada em várias concentrações. Existem também cremes e adesivos cutâneos. A origem do medicamento deve ser observada com rigor, desde que a forma de plantio (até mesmo o adubo empregado), colheita e obtenção do princípio ativo (obtido das flores e não da folha), segue tecnologia altamente especializada, não se aconselhando utilização de produtos artesanais e que não tenham rigoroso controle de qualidade. As dosagens e esquemas são individualizadas (personalizadas), demandando tempo variável para ajuste posológico. Para sua prescrição é necessário conhecimento da farmacocinética e farmacodinâmica do medicamento, como todo procedimento terapêutico em saúde.
Relato e Interpretação de paciente:
“Minha esposa e eu, ambos enfermeiros, nos vimos diante do desafio quando nosso filho mais novo começou a ter crises convulsivas aos 4 meses de idade. Ao longo dos anos, enfrentamos diversas suposições diagnósticas e passamos por tratamento com vários anticonvulsivantes, sem resultados. Vivenciamos inúmeros episódios de crise por dia
(mais de 20 episódios de crise convulsiva por dia). Após vários anos e tratamentos sem resultado, foi feito o diagnóstico de uma condição rara chamada Síndrome de Dravet, uma forma de epilepsia de difícil controle. Em 2013, iniciado tratamento com CBD; nosso filho está com 18 anos e há uma década em tratamento, atualmente com 800 mg/dia(de 20 episódios de crise convulsiva por dia para cerca de 10 episódios por mês).Foi simplesmente incrível e nenhuma outra forma de anticonvulsivante conseguiu produzir esse resultado.
JAIME OLAVO MARQUEZ
Professor Adjunto De Neurologia (Aposentado) Uftm - Uberaba - MG
Doutor Neurologia - Usp
Visiting Professor Neurology Duke Uni. USA
Membro Titular Emérito Da Academia Brasileira De Neurologia
Presidente Sbed 2002-2004
Referências:
PRIMEIRO CURSO BÁSICO DE CANNABIS MEDICINAL DO TRIÂNGULO MINEIRO:
INSTITUTO SEM DOR\ EduCaDor. Uberaba -MG Dezembro 2021, Cannabis &Saúde 23\09\22. Gregório Ventura.
Mercado de CBD vai valer 22 Bilhões de dólares até 2030, com crescimento anual de 16% entre 2022 e 2030.
Consensus recommendations on dosing and administration of medical cannabis to treat chronic pain: Results of a modified Delphi process. Bhaskar A et cols. Journal of Cannabis Research. 2021, 3:22 .Cannabinoids block cellular entry of Sars-Cov 2 and the emerges variants. Van Breemen et cols. J Nat Prod .2022. 85, 176-184.- Mechanisms of Action and Pharmacokinetics of Cannabis. Sirichai Chayasirisobhon. Perm J
2022. 25:19.200.- New Insights and Potential Therapeutic Targeting of CB2 Cannabinoid Receptors in CNS Disorders. Berhanu G K et cols. Int J Mol Sci 2022,23. 975. -Ng and Chang Journal of Cannabis Research (2022)
4:25 https://doi.org/10.1186/s42238-022-00133-0 ORIGINAL RESEARCH Bibliometric analysis of the cannabis and cannabinoid research literature JeremyY.Ng*and Nathan Chang
Conselho Federal de Medicina: Resolução nº 2.133/14: aprova o uso compassivo do canabidiol para o tratamento de epilepsias da criança e do adolescente refratárias aos tratamentos convencionais.
ANVISA: RDC Nº 17 de março de 2016, regras para a prescrição médica e a importação de medicamentos formulados com canabidiol e Tetraidrocanabidiol (THC). Resolução nº 156, no dia 5 de maio de 2017: incluiu a Cannabis Sativa L. na sua lista de Denominação Comum Brasileira. A ação oficializa a Cannabis, dando-lhe um número de identidade para referência posterior entre médicos e órgãos reguladores. Resolução Nº 327 DE 09/12/2019: Dispõe sobre os procedimentos para a concessão de Autorização Sanitária para a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais, e dá outras providências.
O Estado de São Paulo aprovou em sua Assembleia Legislativa o PL 1.180/19 que garante o fornecimento de produtos à base de Cannabis via SUS.
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